Mas existe sempre
2019 | Encontros do DeVIR (encomenda / comission)
Talvez te levantes e andes até à janela,
talvez digas qualquer coisa,
talvez olhes para cima e eu também acabe por olhar
os nossos pescoços dobrados
as nucas quebradas
as gargantas expostas
uma exposição de gargantas
ou um diálogo.
Franzes o sobrolho e olhas para aquele canto da sala,
o canto a que costumas chamar de axila da casa, o lugar por onde a casa transpira
todas as casas têm uma axila, dizes
repugna-me essa associação da nossa casa às partes húmidas de um corpo,
a axila é uma das partes mais íntimas do corpo,
se o canto é axila, imagino a que outras partes do corpo corresponde o resto da casa.
Apagas a luz.
Descreves um som que poderia emergir do silêncio.
Demoras algum tempo,
o suficiente para me aperceber de como respiras quando falas,
do ligeiro estalar do maxilar de cada vez que pronuncias uma vogal aberta,
do modo como modulas o tom da voz, cada intenção pensada, calculada.
Acendes a luz.
Levanto-me e olho lá para fora.
Levantas-te e olhas lá para fora.
Espero que digas algo e reparo num pequeno insecto que sobe a tua perna,
uma jornada difícil para uma criatura tão pequena.
Penso que somos o insecto a trepar algo com vida própria.
Olhas para mim.
A sala precisa de arejar
e abro a janela.
ESTREIA / PREMIERE 27 Abril / April
Direcção e interpretação | Sofia Dias e Vítor Roriz
Som | Sofia Dias
Residência | Fórum Dança, Cia Olga Roriz, CAPA/DeVIR
Produção | S&V
Co-Produção | CAPA/DeVIR